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07
JUN

A Pandemia da Desigualdade

São cinco da manhã e o céu ainda está escuro.

Em plena pandemia de Covid-19, uma fila de homens, mulheres e crianças se forma em frente à Paróquia São Miguel Arcanjo, na Moóca, bairro na região central de São Paulo. Pouco depois, o padre Júlio Lancellotti, já vestindo máscara e luvas de proteção, faz uma oração no pátio da igreja, antes da entrega do café da manhã doado pela comunidade. 

Padre Júlio Lancellotti fazendo a distribuição de manhã na Paróquia (fotos: Teresa Ribeiro)

Até crianças entram na fila para receber alimento

Desde o começo do isolamento social decretado em São Paulo, ele distribui pessoalmente lanches para cerca de 700 indigentes por dia. Eles são parte de uma população de rua estimada pela prefeitura em cerca de 24 mil pessoas. Além do kit de café da manhã, o pároco entrega máscaras e álcool gel para uma gente que não tem nem onde lavar as mãos. O padre também é vigário das pessoas em situação de rua que, com o começo do isolamento, viram diminuir muito as esmolas e donativos de comida que recebiam. Padre Júlio conta já ter recebido pessoas que chegaram a ficar três dias sem comer. Mesmo assim, é comum ver alguns repartirem as refeições recebidas com outros necessitados.

No frio de São Paulo, muitos não têm nem agasalho adequado

Pedido de ajuda durante a pandemia

Em abril, o padre fez um pedido de ajuda pelas redes sociais para uma família. Pai, mãe em gravidez de risco e cinco filhos dormiam em alojamentos separados em dependências da prefeitura, os chamados albergues. Por isso, para poder ficar juntos, eles passavam o dia na rua. Segundo o padre, os albergues, além de não serem adequados para famílias, não fornecem máscaras nem álcool gel para os ocupantes.

Padre Julio conseguiu, com doações, alojar a família em um hotel, cuja diária custa apenas 65 reais (cerca de 12 dólares) por quarto com três camas. Ele diz que já pediu várias vezes ajuda para a prefeitura, e que tem informações de que uma rede de hotéis populares do centro estaria disposta a abrigar as famílias e pessoas idosas em situação de rua. Por causa da baixa ocupação hoteleira, com 95% de vacância, a rede já demitiu 500 pessoas. Para o padre, se a prefeitura contribuísse para hospedar os sem-teto, estaria impedindo também a perda da renda que sofrem hoje as famílias desses desempregados.

Na pandemia ou fora dela, a desigualdade mora ao lado

Na segunda maior favela de São Paulo, a de Paraisópolis, na zona sul, o padre Luciano Basílio coordena uma rede de doadores. A maioria é de empresas e moradores dos prédios de luxo do bairro vizinho. 

Os donativos chegam a Paraisópolis

padre Luciano Basílio comanda a distribuição de alimentos

Os donativos vêm de empresas e particulares

Homem recebe a comida doada à comunidade

Com uma população estimada de cem mil habitantes, a favela não conta com hospital e nem atendimento para os doentes. Por isso, a população se mobilizou e contratou por conta própria médicos, enfermeiros e socorristas, que se mudaram para a comunidade. Além disso, organizou a distribuição de cerca de mil marmitas (refeições prontas) por dia. Nas ruas, o movimento continua o de sempre. O padre lamenta que a população ainda não entendeu a necessidade de ficar em casa. Pudera: com a maioria dos barracos de um ou dois cômodos, paredes coladas às casas vizinhas, o desconforto é enorme, além de não ser possível isolar um paciente de Covid-19 e evitar o contágio dentro da familia. Como opção, a secretaria de Educação liberou o acesso a duas escolas dentro da comunidade para acolher doentes leves, retirá-los de dentro das casas minúsculas, e assim tentar evitar a transmissão da doença.

Iniciativa própria

No complexo do Alemão, um conjunto de favelas no subúrbio do Rio de Janeiro, foi montado um “gabinete de crise”, que faz a orientação dos moradores, recebimento de donativos e distribuição de alimentos doados para quem precisa. O famoso cantor Luan Santana, em uma live beneficente, foi responsável por angariar 28 toneladas de mantimentos, que chegaram com festa à favela.

Cercados pela violência policial e do tráfico, os moradores têm que conviver com tiroteios quase diários, enquanto continuam lutando para atender sozinhos às necessidades da comunidade.

Protestos

Enquanto as comunidades se mobilizam pra tentar resistir à pandemia e à crise econômica, na capital do país, Brasilia, o dia do Trabalho foi marcado por um protesto de enfermeiros e trabalhadores da saúde, na praça dos Três poderes. Os profissionais pediam melhores condições de trabalho e mais equipamentos de proteção, quando foram abordados com agressividade por bolsonaristas.

Bolsonaristas atacam verbalmente os enfermeiros durante protesto em Brasília (Fotos redes sociais)

Influenciados por atitudes do presidente Jair Bolsonaro, que em várias ocasiões minimizou a importância da doença, os seus seguidores têm saído às ruas exigindo o fim do confinamento e a volta imediata ao trabalho. 

Também em São Paulo, seguidores do presidente Bolsonaro aproveitaram o feriado para protestar na principal avenida da cidade, local de grande concentração de hospitais.

Nas agências bancárias oficiais, a concentração é de pessoas que buscam receber o auxílio prometido pelo governo, de 600 reais, cerca de 111 dólares. Longas filas se formam todos os dias, sem distanciamento social adequado. No desespero de receber o benefício, muitos chegam a dormir na porta do banco. O presidente da Caixa Econômica reconhece o problema, que chama de “inevitável”, mas promete fazer alterações no cronograma para os próximos pagamentos. Ao todo, o governo diz já ter liberado o auxílio emergencial nesta pandemia para mais de 50 milhões de pessoas.

Os mais excluídos

Na paróquia, o vigário do povo de rua Julio Lancellotti questiona como o povo da rua vai se cadastrar para receber o auxílio, já que muitos não têm pertences nem documentos – e logicamente nem internet para solicitar o dinheiro. Enquanto isso, o pequeno lanche servido todas as manhãs – pão, um bolinho e um leite achocolatado – continua sendo a única certeza de alimento que eles têm desde o início da pandemia.

Muitas vezes o lanche é a única refeição do dia

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por Carla Vilhena
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COMENTÁRIOS
(16) Comentário(s)
  1. Fabiano disse:

    Excelente texto. Excelente tema. Só você Carlinha pra fazer a gente respirar nessas horas que mais fazem a gente desacreditar em tudo.

    1. Obrigada, Fabiano! Tempos difíceis, mas vamos superar juntos.

  2. Cristiana disse:

    Ha flores no sertao, ha brisa,ha luz em meio a tantas trevas.
    Obrigada pela matéria Carla, cuida se.

    1. Muito obrigada pelas lindas palavras, Cristiana! Saúde e paz.

  3. Vanusia Borges Basilio disse:

    Parabéns Carla Vihena, Pela sua iniciativa.acompanho todas as matérias!!

    1. Nosso Luciano é exemplo para a cristandade. Obrigada pelo carinho, Vanusia!

  4. Vanusia Borges Basilio disse:

    Parabéns, Carla Vilhena pela sua iniciativa, acompanho o seu trabalho há muitos anos.

    1. Nosso querido Luciano Basílio tem sido um bálsamo nesses tempos difíceis… Obrigada querida!

  5. Na ria Aparecida Rinaldi disse:

    Excelente texto amiga Carla! Vou compartilhar no Facebook! Tamos juntas! Bjs de SAUDADES

    1. Muito obrigada, doutora! Tenho muitas saudades também. Beijos!

  6. Daniele Vieira disse:

    Que acalento ler teu texto, Carla. Deixou meu coração quentinho, precisamos disso em meio a tanto caos. É preciso enaltecer o nome dessas pessoas mencionadas, um trabalho incrível que faz a diferença na vida dessas pessoas que são atingidas pelo sistema político corrompido, ao qual deveria assegurá-las de alguma forma nesse período difícil.

    1. Esses são os verdadeiros seguidores de Cristo, aqueles que estão ao lado dos mais sofredores. Obrigada pelo comentário e pelo carinho, Daniele!

  7. Adriana disse:

    Simples e direto no ponto. Muito triste esse momento que vivemos. Admiro demais pessoas como os padres Luciano e Lancelotti.

    1. Sim, Adriana, são pessoas muito especiais, que fazem o trabalho de Jesus até hoje, mesmo em tempos difíceis como estes. Um beijo!

  8. Diego Pires disse:

    Muito boa matéria, me deixa feliz e triste ao mesmo tempo. Feliz em saber que existe um processo de auto gestão das comunidades e triste em saber que se esta auto gestão se faz necessária é porque muita coisa já está dando errado no meio do caminho por parte do governo.

    1. Em muitas comunidades, a sensação foi de abandono por parte do poder publico mesmo. Por isso tentaram criar modos de se proteger. Obrigada pelo comentário, Diego.

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