Não é “só rico que lê” livros
Como assim, só rico lê livros?
Venho de uma família nem rica, nem pobre. Fui criada no Rio, num apartamento alugado, típico classe média, dois quartos e um banheiro para 4 pessoas. Havia duas estantes de livros: numa, ficava a coleção do meu pai, de livros de Monteiro Lobato para adultos. Me lembro de alguns títulos: “Urupês”, “Cidades Mortas”… Na outra, em prateleiras altas, no corredor, junto ao teto e longe do alcance, no máximo uns vinte livros, entre eles um que me impressionava muito pela beleza: “Marilyn”, por Norman Mailer.
Meus pais nunca leram nenhum livro, pelo menos na minha frente.
Meu pai lia jornal, todos os dias, mas nunca retirava os livros da estante. Minha mãe, apesar de não ter o hábito, sabia da importância da leitura. Lia toda noite para mim e minha irmã, quando nos fazia dormir. Eu, confesso, às vezes trapaceava e lia durante o dia o capítulo que ela ia contar à noite. Minha mãe também costumava me levar à biblioteca pública do Leblon e esperar pacientemente que eu mexesse em todos os livros da parte infantil, que ficava nos fundos.
”Viciada em letrinhas”
Ela sempre disse que, quando aprendi a ler, ainda era quase um bebê. E que, depois que aprendi, não conseguia evitar ler tudo que me caísse nas mãos. Rótulos de shampoo, bulas de remédio, embalagem de pasta de dente. Onde houvesse letras, lá estava o meu olhar. Era algo comparável à avidez dos de hoje pela tela do celular. E eu precisava de algo mais do que só os livros da escola.
Foi então que comecei a pegar os livros emprestados na biblioteca pública.
Era permitido levar dois livros e ficar com eles até quinze dias. Fiz minha ficha, onde ficavam registrados os volumes que eu retirava. Em três dias, no máximo, já havia lido os dois livros e ficava implorando pra voltar e pegar mais. Assim que tive idade suficiente para pegar ônibus sozinha, a biblioteca se tornou um hábito. Pelo menos uma vez por semana, lá estava eu. Minhas fichas ficavam rapidamente completas e eram trocadas por novas, também logo preenchidas.
Um universo encantado
Ali descobri o mundo esfuziante de cenários, países exóticos, personagens, dramas e romances que me acompanha até hoje. Havia uma coleção de livros de bolso, muito antiga, que se chamava “Biblioteca das Moças”. Foi ali que travei conhecimento com “Pollyana” e “Pollyana Moça”. Li romances inesquecíveis, de aristocratas enamorados de mocinhas pobres, que retiravam-nas de conventos para que se tornassem “rainhas do lar” em seus castelos. Admirei n“Os Meninos da Rua Paulo” a nobreza de Boka e chorei lágrimas sem fim pelo heroismo de Nemecsék. Mais tarde, me surpreendi com a distopia visionária de Orwell em “1984”, virei a noite sem conseguir largar “Olga”, de Fernando Morais, devorei “A Cidadela”, de Cronin. Iniciei minha grande paixão pelos romances ingleses com “O Morro dos Ventos Uivantes”, em que Heathcliff e Catherine me apresentaram ao amor que sobrevive à morte, mas também corrói e envilece.
Livros emprestados passaram a não me bastar.
Eu queria possuí-los, queria que fizessem parte da minha vida, da decoração do meu quarto, que estivessem a meu lado à noite, antes de dormir. Foi aí que descobri a feirinha de livros populares no Largo do Machado. Eram estandes de madeira no centro da praça, com livros novos a preços populares. Usei minha mesada para comprar o primeiro volume de um dos livros que mais mexeram comigo: “As Brumas de Avalon”, de Marion Zimmer Bradley. Pela primeira vez eu lia uma história protagonizada por mulheres, que não estavam em busca de casamentos idealizados. Devorei o livro com tal velocidade, que ao fim vivi o desespero de ter que esperar a próxima mesada para comprar os outros 3 volumes.
Paixão por livros
Muitos mais vieram, marcantes, como “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel Garcia Marquez, “Drácula”, de Bram Stoker, “Frankenstein”, de Mary Shelley. Também o divertimento das coleções Ediouro, com detetives adolescentes e aventuras, e a doçura e bondade da Condessa de Ségur.
Sebos e livro digital
Um passo importante para mim foi o livro digital, para carregar de forma muito mais prática várias opções de leitura nas viagens, que passaram a ser constantes no meu trabalho. Também gosto de buscar nos sebos, que frequento há anos, a realização de meus desejos por clássicos e livros antigos, fora de linha.
Livros: alimento do espírito
Eu nunca poderia ter me tornado a profissional que sou sem o acesso a livros baratos ou disponíveis gratuitamente, como nas bibliotecas e feirinhas. Em vários momentos difíceis, os livros foram muitas vezes meus únicos companheiros. O conhecimento, a Ciência, abrangência de ideias, o legado, as tradições, o respeito ao contraditório, o sonho, a luz, a diversão, o amparo, a companhia, os arquétipos, a pesquisa, o aprofundamento, o amor ao idioma, a natureza humana; não há limites para o que se pode extrair de um livro.
Portanto, amigos, por todo o exposto, fato é que não seríamos quem somos sem os livros.
O livro não é para ricos; ele é a própria riqueza.
Boas leituras!
(11) 99795-9819 Carlos Monnerat - horário comercial
Delícia de texto! Antídoto para a exaltação da ignorância, que lamentavelmente virou projeto de desgoverno nos tristes dias atuais… Também fui leitora voraz durante toda a infância e juventude, frequentadora de bibliotecas, detetive de novidades nas prateleiras das livrarias, que hoje desapareceram do meu populoso bairro, Copacabana… E se é para generalizar, generalizo dizendo que se há gente que não lê são justamente os ricos… Gde abraço, Carla! 🌺
Roseana, também lamento muito o fim das livrarias de bairro e sobretudo das bibliotecas, onde passei tantas horas inesquecíveis. Quem sabe um movimento no futuro trará de volta esse prazer. Pelo menos nós pudemos ter algo como isso para ter saudades… um forte abraço!
Que saudade do tempo de infância! Fui lendo, e seu texto me remeteu ao passado para o pequeno apto do JB. Lembro bem do seu hábito de devorar livros, da proibição do seu pai em ler a mesa no horário das refeições. Nas horas em que às vezes eu queria brincar e vc estava lendo algum livro e eu tinha q esperar vc acabar o capítulo. Nunca reclamei disso, acho q só estou falando agora. Realmente os livros abrem nossos horizontes, li alguns q vc citou no texto e concordo q As Brumas de Avalon é um livro q quando a gente acaba de ler dá pena de ter chegado ao fim e q com certeza a gente não é a mesma pessoa de qdo iniciou a leitura. Aliás, livro é isso, é transformação, qdo chegamos ao final de um livro não somos mais as mesmas pessoas q éramos qdo estávamos lendo a primeira frase dele. E por causa de tantos livros, artigos, jornais … q passaram pelos seus olhos, hj vc é essa pessoa tão bacana. Parabéns!
Minha prima querida, nossa, que legal saber de suas impressões, passado tanto tempo! Tivemos uma infância maravilhosa juntas. É muito bom até hoje poder compartilhar essas experiências e receber um retorno tão carinhoso como o seu. Um beijo enorme, esteja sempre comigo.
Suas postagens são ótimas, estou seguindo seu blog e curtindo bastante!! Parabéns!
Muito obrigada, Gabriela!
Gostei muito de postagem. Eu quero incentivar a minha filha de 7 anos a leitura, e torná-la uma admiradora da literatura. Eu também gosto de livros más, confesso que tenho um pouco de preguiça em terminar de lê um livro; embora eu saiba da importância da leitura em nosso cotidiano.
Esse é o motivo pelo quel eu incentivo a minha filha a gostar de lê.
Nunca é tarde para começar a construir esse hábito. Comece com algumas páginas todos os dias, e vá aumentando aos poucos. Você vai ver que a rotina vai se tornar muito agradável, Gilvan. Um abraço!
Não é “só rico que lê” livros. Vou criticar mais não para ofende-la.voce é rica e não sabe .Eu comecei a ler a pouco tempo e minha vida mudou .A leitura é a maior riqueza do mundo .Te leva a lugares em que você nunca esteve e se quer existiu .Consegue viver a vida de outra pessoa através da imaginação. Gostaria de lhe perguntar o que é ser rico para você?Porquê para eu na minha forma de ver o mundo você é rica .Então não concordo com você. Você está errada .
Fico feliz com sua “crítica”, Gadiel, pois é o que penso. A referência aos “ricos” foi do ex-ministro Paulo Guedes. Sabemos que não é assim, e que a verdadeira riqueza está muitas vezes fora dos bens materiais. Obrigada pelo comentário!
Descobri este site essa semana e já estou adorando os conteúdos, são ótimos!
Parabéns! 👏
Meu Blog: Significado de Sonhar
Samara, peço desculpas pela demora em responder, tivemos alguns problemas técnicos por aqui. Deixo a dica para os nossos visitantes entrarem também no seu blog. Obrigada!
Eu amo lêr livro físico qualquer livro ciências, política, educação e sociologia, Marx …. Histórias de mundos e culturas ..
Parabéns pelo seu trabalho de divulgação !
Que bom, Aparecida, pois parece que este hábito está sendo relegado pelas novas gerações… mas elas não sabem o que estão perdendo!
Era uma vez aonde, uma vez, eu li que as palavras escritas são como pegadas deixadas por um lobo na neve e, consequentemente, o lobo é o escritor das mesmas. Uma imagem poética, sem sombra de dúvida, mas vejamos o que advém daí…
Por estas, digamos assim, palavras-pegadas, você primeiramente consegue identificar a que animal elas pertencem, no caso, ao lobo-escritor. Depois, pelo “tamanho” das pegadas, você infere se é um lobo já adulto ou ainda jovem, iniciando-se no caminho das letras. Pela “profundidade” das palavras-pegadas, tens no caso se elas são oriundas de um lobo-escritor de pequeno, médio ou mesmo grande porte. Também pelo “espaçamento” entre as palavras-pegadas, você vislumbra se o lobo-escritor está a andar calmamente ou em desabalada carreira.
Feita esta, digamos assim, análise preliminar, você começa quase que intuitivamente a seguir as palavras-pegadas pelo caminho em que foram impressas. Isto é interessante, pois a “neve” em que foram marcadas não é algo uniforme do começo ao fim. Nalguns lugares, a neve é recém-caída e, com isto, as palavras-pegadas são mais nítidas, seus significados bem claros. Noutras plagas, a neve é mais antiga, quase tornada em gelo e, com isto, é necessária mais atenção para com as palavras-pegadas, algumas quase deixando o limite da percepção.
Mas talvez o mais interessante não seja a natureza da neve, mas o caminho propriamente que o lobo-escritor segue ao deixar suas palavras-pegadas.Em alguns momentos, o caminho é reto e plano, torna-se quase maçante para, de repente, sem aviso, dar uma súbita guinada e transforma-se numa árdua subida, com a neve rala e escorregadia, qualquer desatenção tornando necessário que se volte para retomar o fio da meada das palavras-pegadas.
Também de repente, o caminho torna-se uma descida quase vertical e, quando dá-se conta, você percebe que a ação da gravidade nesta descida torna-o momentaneamente prisioneiro destas palavras-pegadas, você não tem como deixa-las de seguir, elas o capturaram numa montanha russa que agora parece ser somente este declive acentuado.
Enfim, o mais misterioso dos caminhos é aquele que se faz em zigue-zague, pois você o segue vendo somente até o momento em que ele faz o “zigue” ou o “zague”, não tendo então a mínima ideia do que há a frente. Talvez de repente o caminho termine sem aviso, ou igualmente de repente ele recomece em paragens totalmente estranhas e imprevisíveis. Você simplesmente não o sabe, você simplesmente o tem de seguir nem que seja pela incontrolável curiosidade de ver aonde ele vai parar.
Certamente foi por esta curiosidade que você continuou a seguir minhas palavras-pegadas até aqui, para ver para onde eu o estou levando. Bom, agora que estou terminando minha trilha, posso lhe revelar que eu estava andando em círculos e o trago novamente ao começo de tudo, bem em cima da primeira palavra-pegada que você leu.
Mas por que isto, por que faria eu tal coisa? A resposta é simples, nada de complicado ou mesmo esotérico…eu simplesmente queria dar uma volta por aí, esticando minhas “patas escritoras”, mas não o queria fazer sozinho, precisava de companhia, mas uma companhia assim, que viesse logo atrás de mim, pois eu não seria indelicado a ponto de pedires para ir na frente, abrindo caminho. Isso era função minha, enquanto lobo-escritor.
Despeço-me agora então, agradeço esta companhia, obrigado por tudo, desculpe qualquer coisa, mas agora minhas pegadas cessam, o lobo-escritor, digamos assim, torna-se pássaro, alça voo aos céus sem deixar rastros, pois esta é a grande virtude dos pássaros, que voam pela vida sem marcas ou vestígios, apenas vivendo da maneira mais plena possível, nos céus, tão próximos da face de Deus…
Nossa, Paulo, esse seu texto, embora em prosa, traz muitas imagens poéticas sobre a jornada do escritor. Parabéns! Muito obrigada por tê-lo trazido aqui ao blog.
Excelente texto. Muito bom recordar essa infância rica. Tornou-se uma pessoa e uma profissional admirável.
Agradeço muito o elogio, Dirceu!
Excelente texto. Infelizmente, a realidade para a maioria das pessoas, nos rincões do Brasil, é bem diferente.
Algo que depende muito de políticas de incentivo, mas que pode ser trabalhado também em cada casa. Espero que venha essa mudança. Obrigada pela mensagem, Paulo.
Eu nem sabia que você tinha um site!
Site de bom gosto e com coisas lindas para passar pra gente, ADOREI!
Você não sabe como é bom receber uma mensagem assim, Rodrigo, muito obrigada!
O hábito da leitura é muito nobre. Me entristeço por nossa geração ter acesso a tantas tecnologias, e nossos jovens perder tanto tempo com jogos eletrônicos ou vídeos que não lhes agregam nenhuma sabedoria. Recordo-me alegremente dos tempos do colegial, onde íamos à biblioteca copiar os assuntos dos livros para fazer os trabalhos e, posteriormente, apresentá-los em sala de aula.
Eu sinto muito também por essa geração internet ter substituído o hábito da leitura por textos curtos e estímulos imediatistas, como os games, perdendo assim o prazer de se aprofundar em tantas obras-primas que nos foram legadas por escritores ao longo dos tempos. Espero que venham um dia a valorizar isso. Obrigada por seu comentário, Edilson, volte sempre!
Boa noite!
Carla Vilhena
Assistir você no programa do Ratinho.
Você eh admirável, muito linda … por fora d por dentro…carismática.
Passa muita coisas boas.
Estava vendo uns comentários no seu Instagram sobre leitura.acheii muito bacana e influencendor. Vou começar a ler aos poucos.tenho preguiça e me da sono. Meu esposo diz: que eh falta de hábito.
Mas como vc diz, tudo tem seu tempo.
Oi Ruthinea, tenho a impressão de que o hábito do celular tirou muito a nossa capacidade de concentração, que é fundamental para a leitura. Mas, como seu marido diz, é uma questão de combater o mau hábito e tentar adquirir bons hábitos. Espero que você consiga, pois é muito gratificante. Obrigada pelo seu comentário!
Oi bom dia, cai de paraquedas aqui e estou com a melhor companhia de um livro: uma caneca de café.Sempre gostei de livros, de boa leitura. Agora estou fazendo o tradicional e o moderno ao mesmo tempo: livro impresso e e-book digital, duas leituras de primeira. Apesar de diferentes iguais, alimentando nosso espírito. Vamos em frente não deixar morrer isso!!!! Valew abraços.
Eu faço o mesmo, Paulo. Não dá pra ignorar a praticidade de um e-reader, mas o livro em papel tem um lugar especial no coração. Obrigada, não deixaremos isso morrer, com certeza!
Fiquei encantada com o seu texto. Me vi em diversas situações como a sua. Amo ler. Houve uma ocasião em que estava visitando o Museu Lasar Segall, onde conheci Dr. José Mindlin que estava expondo suas relíquias, livros maravilhosos, ilustrações belíssimas. Ficamos conversando tanto sobre livros que ele me convidou para conhecer sua biblioteca, hoje, a Brasiliana está na USP. Dentro daquela biblioteca me senti em casa.
Ivani, não tive o prazer de conhecer o José Mindlin, mas com certeza ele reconheceu em você o mesmo amor que ele tinha pelos livros. Eu também já fiquei emocionada de conhecer algumas bibliotecas, um sentimento que só nós, os apaixonados pela leitura, conhecemos. Muito obrigada por seu comentário!
Belo depoimento,amo ler , a leitura me leva para lugares incríveis. me faz pensar,me faz chorar ,me faz rir me faz ser uma pessoa de mente aberta .
Esse sentimento que você descreve é impagável, só a leitura proporciona. Muito obrigada, Angelino!