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JUN

A História do Menino Papa

Ele tinha só três anos quando o conheci.

Pequenino, magro, sério, pensativo. Uma criança quase adulta. Em seu exíguo tempo de vida, já havia conhecido mais sofrimento do que eu ao longo de minhas dezenas de anos. Mas foi só me aproximar dos seus (poucos) brinquedos, que ele começou a florir. “Que carrinho legal”, disse eu, tentando uma daquelas táticas baixas que usamos quando temos que conquistar uma criança. “Você quer brincar com ele?”, e me entregou o precioso brinquedo, abrindo caminho para seu coração.

Ele só tinha três anos. E já estava em tratamento de câncer no Hospital de Barretos, interior de SP. Os pais,  agricultores, sérios como o filho, vinham de uma cidade tão pequena, quase tão pequena quanto o quarto que ocupavam na pousada. Extremamente religiosos, acostumaram o menino a ouvir sermões desde bebezinho. A missa, ele sabia de cor. Todas as falas, gestos e rituais. Chamou a atenção do padre da capela do hospital, que lhe deu todos os objetos e paramentos usados por um padre – batina, cálice, panos de linho – assim como quem dá um carrinho de presente a um menino qualquer.

Apenas três anos. Mas o menino rezava a missa de cabo a rabo, como se fosse já adulto. Sério, sempre. Não aceitava risadas. Chamava todo mundo de porta em porta na pousada, como se fosse realmente padre. Os hóspedes, todos em tratamento de câncer, acorriam à missa do menino. O pequeno padre olhava a audiência com severidade. Todos quietos, abafando as risadinhas. Ele percebia. Fechava o cenho, ralhava, embirrava. Pronto. Todos atentos, a cerimônia vai começar.

Com sua batininha em miniatura, começava a rezar.

Dizia as palavras da liturgia. Resumia nas suas palavrinhas de menino de três anos um episódio do Evangelho. E concluía: “Palavra da Salvação”. Todos: “Glória a vós, Senhor.”

Pede um momento; “o padre tem que fazer xixi”, diz. Voltam os risinhos abafados – logo fulminados pelo olhar de censura do “padre”, carregado rapidamente nos braços pelo pai até o banheiro mais próximo. Problema resolvido, hora da consagração.

A precisão dos gestos surpreende.

Levanta o pequeno cálice, pronuncia as palavras sagradas, faz a santificação do pão e vinho de mentirinha. Com o cálice nas mãos, corre a oferecer a todos a Comunhão. “Corpo de Cristo”, diz. E junta as pontas dos pequenos dedinhos, levando uma hóstia imaginária até a boca dos fiéis.

A plateia se curva até a altura do menino. Oferece os lábios para aquela bênção. Pessoas que não acreditam mais em Deus, em cura, em salvação, em vida – nem eterna, nem terrena – derramam lágrimas enquanto dizem “amém” para aquele menino. “Um anjo”, murmuram. “Santinho”, proclamam. Já ninguém tem coragem de rir. Estão todos tomados pela fé naquele menino de três anos.

Depois, gravei entrevista com o impressionante menino de três anos.

Enquanto brincava de se esconder, ele respondia minhas perguntas com uma firmeza de adulto. “O que você quer ser quando crescer?”, indago. “Papa”, diz sem titubear. “Qual o nome do atual papa?”, provoco. E ele: “Francisco”. “E o que você pede ao seu anjo da guarda?” – “A cura”, responde.

O médico me desanima. Diz que é muito grave. Dá a ele poucos meses de vida. Volto pra casa arrasada, pensando naquela vidinha tão dedicada a Deus e que Deus esqueceu.

(Meses depois recebi a mensagem do assessor de imprensa do hospital de Barretos, dizendo que ele havia morrido. Fiz um post em sua homenagem. O pequeno papa era agora uma estrelinha – no Céu que ele tanto amou.)

Veja a matéria completa clicando aqui.

 

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por Carla Vilhena
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COMENTÁRIOS
(15) Comentário(s)
  1. Luciene disse:

    Oi amiga. Que linda essa proposta. Do blog. Parabéns! Adorei relembrar essa história do menininho. Confesso q na época tive outro entendimento, acho q foquei na dor em perder um filho e agora o que vejo é uma história linda envolvendo duas pessoas especiais: a narradora e o personagem ????. Bjs e seja sempre essa pessoa linda.

  2. Minha querida amiga, a história pode ter várias leituras. Uma delas é a de que o menino não pertencia a este mundo…
    Que bom que você gostou! Fiquei muito feliz!

  3. Djalma Ramos disse:

    Minha querida amiga, se é que posso te chamar assim, vc é muito familiar e tem um talento abençoado, sempre fui seu fã e admiro seus trabalhos, parabéns Carla Deus te abençoe bjs e abraços.

    1. Muito obrigada pelo seu comentário e pela sua amizade!

  4. Patricia disse:

    Carla amei a iniciativa do blog. Que sensibilidade e humanismo vc tem com os outros. Que Deus abençoe você e toda a sua família e claro feliz aniversário. Bjs

    1. Muito obrigada, venha sempre me prestigiar aqui no blog!

  5. Ana Claudia disse:

    Que linda história, Carla. Esse menino certamente tinha uma missão muito curta aqui entre nós, e nesse pouco – e sofrido- tempo vivido, com certeza tocou o coração de muitos. E continua tocando, como foi o meu caso. Um beijo, Ana Claudia

    1. Obrigada, Ana Cláudia, ele foi um presente mesmo. Foi muito bom te rever na festa. Beijos!

  6. Welington eli de lima disse:

    Parabéns minha amiga é assim que a considero mesmo sem nunca ter estado com você. Acompanho o seu trabalho há mais de 18 anos. Que lindo seu blog adorei .sucesso hoje amanhã é sempre. Que Deus te abençoe te proteja e te guarde. Te adoro querida bjs.

  7. Letícia disse:

    Texto maravilhoso e emocionante, experiência incrível!

  8. Rosemeire disse:

    Carla, sua linda!

    Com os olhos marejados, escrevo esta mensagem. Lembro desta reportagem, me emocionei muito.
    Fico muito triste em saber do falecimento deste garotinho.
    Daquelas perguntas que não tem resposta: por quê? por quê?

    Sucesso no seu site! Ele é lindo como vc!
    bjs
    Rose

    1. Só Deus para responder essa pergunta, e a resposta Ele guarda para si. Muita tristeza mesmo. Obrigada pelo comentário tão elogioso!

  9. Achei lindo o que você escreveu. Só que tenho absoluta certeza, que Deus jamais o esqueceu. Apenas o queria junto Dele.

    1. Sim, apenas lamento a tristeza que fica pra trás, Rosilene… mas ele está com certeza nos braços do Pai.

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